18 de ago. de 2005

Não sou eu quem me navega

Há uma música de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho fizeram uma música que é mais ou menos assim:

"Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar

E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar

Timoneiro nunca fui
Que eu não sou de velejar
O leme da minha vida
Deus é quem faz governar
E quando alguém me pergunta
Como se faz pra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar

A rede do meu destino
Parece a de um pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor
Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é quem me traz"

A última coisa que poderia fazer seria negar que me identifico com esta música. Ao contrário, trata-se mesmo da minha ética (no sentido original, os princípios que guiam minha vida). É por isto que escrevi este poema:

Cego

Não sou eu quem me navega
já disse a canção
E vendo como o cego enxerga
eu vivo
só não sei se em vão

Na alegria e tristeza do passo
enxerguei o vazio
Ali estava o futuro que faço
para lá eu ando
preencher comigo o vazio

Sem nada nunca vislumbrar
- simplesmente viver
Cego, tão somente caminhar
adiante
sem nunca o caminho ver

8 de jul. de 2005

A Vladímir Mayakóvski

O grande poeta Vladímir Mayakóvski escreveu certa vez:

"Говорят,
где-то,
- кажется в Бразилии -
есть один счатливый человек."

Em português, fica mais ou menos assim:

"Dizem,
em algum lugar,
- parece que no Brasil -
existe uma [única] pessoa feliz."

Pois bem, procurei, procurei, e aqui está minha resposta a Mayakóvski:

A Vladímir Mayakóvski, sobre a pessoa feliz

Meu caro Vladímir,
confesso que não achei.
Por todo este mundo,
do lugar mais alto ao mais fundo,
pessoa feliz não encontrei.

Já disseram que estava na Rússia,
mas parece que de lá fugiu,
certamente espantado pelo frio,
mas para cá não veio,
não nas fraldas de meu avô.

Da gelada Sibéria
até a nublada Curitiba,
nada há
que lembre uma pessoa feliz.

Parece, amigo,
que tal ser não existe.
Mas se nunca o encontrar,
não se engane, camarada,
eu certamente irei forjar.

14 de jun. de 2005

Ser sensível é sofrer

Costumo atualizar este blog semanalmente, sempre com um poema novo. Mas, lendo ontem os Manuscritos econômico-filosóficos de Karl Marx, deparei-me com um trecho que cabe muito bem em minha poética:

"O homem é diretamente um ser da natureza. Como ser natural e enquanto ser natural vivo é, por um lado, dotado de poderes e faculdades naturais, que nele existem como tendências e capacidades, como pulsões. Por outro lado, enquanto ser natural, corpóreo, sensível, objetivo, é um ser que sofre, condicionado e limitado, tal como o animal e a planta, quer dizer, os objetos das suas pulsões existem fora dele, como objetos independentes, e, no entanto, tais objetos são objetos das suas necessidades, objetos essenciais, indispensáveis ao exercício e à confirmação das suas faculdades. [...] Ser sensível é sofrer." (MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001. pp. 182-183.)

PS: Quinta-feira publicarei um poema novo.

26 de mai. de 2005

Mais um poeta, mais um defunto

Fazia eu um poema
a caminho do cadafalso
para então cumprir a pena
de morte natural na forca.

Era aquele um poema
de dor, prisão e luta.
Não havia nele um poeta,
apenas havia a pena.

Mas disse o juiz de fora:
Prendam-no!
– Já está preso.
Matem-no!
– Já está morto.

Era verdade, pois havia
muito antes me suicidado.
Aquela era apenas
a compleção do derradeiro ato.

Muito antes escrevera um poema
de angústia, morte e dor,
mas não estava no poema,
era apenas um fingidor.

20 de mai. de 2005

Aos heróis do Araguaia - III

Finalmente a última parte deste poema.

III
Catarse

Hoje sabemos todos:
a luz não se apaga!
Só há sombra
se há luz a brilhar.

Hoje homens e mulheres,
antigos homens e mulheres,
novos homens e mulheres,
ainda ousam iluminar.

Hoje sabemos todos
que a luz não se poderá derrotar.
As trevas ainda tentarão,
mas a luz irá brilhar.

Ainda se tentará,
mas a luz não irá se apagar.
Ousados, ousemos!
Um dia, a luz triunfará!

12 de mai. de 2005

Aos heróis do Araguaia - II

Esta é a continuação do poema Aos heróis do Araguaia, cuja publicação foi iniciada semana passada e terminará semana que vem.

Abraços,
Leandro

II
Tragédia

Uma duas três,
por três vezes o não
se abateu sobre aqueles que ousavam,
duas vezes o derrotaram.

Homens e mulheres sabiam
poder contar com homens e mulheres que ousavam,
o Brasil se encontrou no Araguaia,
Araguaia, homens e mulheres eram um.

Mas uma duas três,
na terceira vez o não venceu.
Então a luz da ousadia
que ousava nas trevas do não enfraqueceu.

Mas o não não queria
luz fraca, luz alguma,
e tentou exterminar
ousados, ousadia, réstia de luz.

6 de mai. de 2005

Aos heróis do Araguaia - I

Dia 12 de abril comemoraram-se os 33 anos do início das operações militares no Araguaia, data normalmente tida como aniversário da guerrilha que leva o nome deste rio. Em homenagem aos guerrilheiros, publico nesta e nas próximas duas semanas este poema em três cantos.


Aos heróis do Araguaia

I
Exórdio

Um dia um grupo
de homens e mulheres valorozos
juntou-se e disse:
Aqui não será assim!

Naqueles dias falavam não
a todos que ousassem,
mas aqueles homens e mulheres sabiam
precisar ousar.

Então o não se abateu
sobre todos, homens e mulheres,
que ousaram ousar e foram
duramente perseguidos e castigados.

23 de abr. de 2005

Clown

Um dia o espetáculo será do povo.

Clown

Clown.
Chorava tristonho sozinho,
sozinho não existia.
Feito palhaço fora do palco
chorava
Chorava porque não podia existir.

Mas o circo foi se enchendo,
a despeito do aviso de senhores empolados
- e donas e cachorros
o circo foi se enchendo.

O povo acorria,
a multidão preenchia
cada espaço até não poder mais.
E quando não havia mais platéia,
o povo todo foi à coxia
juntar-se ao clown
- e ser clown.

Quando não mais havia
senhores e donas e cachorros,
todos foram ao palco
- todos palhaços felizes no palco
e dizem que este espetáculo não mais acabará.

6 de abr. de 2005

ABBA

Versificação tônica e rimas em abba, isto era impensável para mim um tempo atrás. Era impensável, fique bem claro.

Das trevas surge a luz
(homenagem póstuma à liberdade)

Hoje caiu da janela,
onze andares desceu.
Quem viu isto não creu,
mas era mesmo ela.

Ali no chão estatelada,
inerte ela parou.
O povo todo olhou,
a alma ficou desconsolada.

Mas trouxeram logo bandeiras,
no chão ela não ficou.
Nos ombros o povo a carregou,
homenageou-a de muitas maneiras.

Por ela ainda se luta,
virá ainda que à tardinha
e na noite que já se encaminha
fará das trevas dia.

23 de mar. de 2005

Hoje não há amanhã

"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."
(Karl Marx, O 18 Brumário de Luis Bonaparte)


Hoje não há amanhã.
Se o passado berra,
o presente chora
e o futuro se desfaz.

Hoje não há amanhã.
O amanhã não se vive
quando se deixa de lado
o presente que há.

Hoje não há amanhã.
À sombra do nunca,
manchado de ontem
o hoje ruirá.

Hoje não há amanhã.
Não se pode viver
o que não existe
ainda ou mais.

Hoje não há amanhã.
A solução existe,
e o dia de hoje
eu vivo em paz.

13 de mar. de 2005

Choro

Pablo Neruda foi um grande poeta e um grande comunista. Ensinou-me certa-vez que não acabo em mim. Disse assim em seu poema A meu Partido: "Me has hecho indestructible porque contigo no termino en mí mismo". Fizeste-me indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo. Esse é o lema de quem busca mudanças. Esse é o lema de quem sabe que a sociedade não se transforma sem luta, e sem homens e mulheres organizados para a mudança. A luta pela mudança radical da sociedade passa pela luta de vários homens e mulheres determinados a dedicarem suas vidas à causa de muitos. É essa a minha luta. E, sem que esteja completa, a injustiça e a opressão, a exploração do homem pelo homem me machucará.

Choro

O céu nublado de Curitiba mais uma vez me entristece.
Eu choro.
Por tudo e por todos,
mais uma vez hoje eu choro.

Um dia li Neruda e aprendi
que eu não acabo em mim.
Um dia eu vi
que tudo à minha volta me completa.
E hoje tudo à minha volta me machuca.

Se a inércia dos dias
que sempre me separam
da minha plenitude
não acaba e não permite
que a luta que outros lutaram
em mim se complete,
mais uma vez
o céu nublado de Curitiba me entristece
e então eu choro.